Guerra fria no Vale do Silício
Por Pedro Doria
No dia 1 de julho, um consórcio comprou em leilão mais de 6.000 patentes da Nortel, uma multinacional canadense de telecomunicações. Apple, Microsoft, RIM (fabricante do Blackberry), Ericsson e umas tantas outras fizeram a compra. Pagaram US$ 4,5 bilhões. O maior derrotado foi a Google, que disputava o pacote. Durante o mês, a Google foi também às compras e fez seu próprio pacote de patentes, um pouco mais de mil, trazidas da IBM, Verizon e outras tantas empresas. O Vale do Silício vive uma guerra fria na qual as armas são patentes.
Não era assim. Até meados dos anos 1990, o departamento responsável nos EUA relutava a emitir patentes de software. Após uma série de decisões da Justiça, foi obrigado a ceder. Virou uma das maiores ameaças à criatividade no Vale.
Patente é uma das três formas de estabelecer propriedade $. É diferente do copyright, que protege "obras autorais", em geral artísticas; é diferente de marcas registradas, que dão posse a símbolos, palavras que determinam a imagem de uma empresa. Patentes se referem a invenções.
Patentes de software são vagas: a descrição de uma função qualquer exercida pelo computador. E as equipes que aprovam patentes, nos EUA, não são especialistas. O resultado é que há um mundo de patentes à solta. Até coisas triviais foram patenteadas.
Existe uma patente para o ato de comprar áudio e vídeo online. Existe patente para comprar online com um só clique. (Pertence à Amazon.) Existe patente, até, para o ato de comprar online pura e simplesmente. Foram patenteadas os efeitos provocados pelo deslizar de um dedo na tela do celular ou "um sistema que grava um evento e produz cópias da gravação para distribuição após sua conclusão". Não raro, a mesma ação óbvia de um computador carrega duas ou mais patentes que garantem a posse daquela mesma ideia para indivíduos ou empresas diferentes.
Patentes existem para incentivar criadores a distribuir sua invenção. Com a garantia de que receberão um percentual da venda, soltam a ideia no mundo. Hoje, no Vale do Silício, servem para inibir inovação. É claro: a turma que largou a faculdade e foi parar numa garagem para inventar a nova revolução convive com uma foice pendendo sobre suas cabeças. É tão novo que, quando a Google nasceu, pouco antes da virada do século, o risco não existia. Hoje, algum advogado pode bater à porta e exigir um dinheiro porque, inadvertidamente, violam uma patente absurda qualquer.
Há nome para isso: são trolls de patentes. Na mitologia nórdica, trolls são gigantes meio lentos e um bocado agressivos. Em uma das lendas clássicas, um troll vive sob uma ponte e, quando alguém tenta ultrapassá-la, surge cobrando pedágio. Os trolls sob a ponte não têm posse sobre ela; cobram pedágio porque querem, porque podem. Trolls de patentes fazem o mesmo: aparecem do nada e cobram um passe para criadores de novas tecnologias. Muitas vezes, cobram se baseando em patentes genéricas de usos óbvios do computador.
Para as pequenas empresas iniciantes, muitas vezes, decide a morte. Mas mesmo as grandes estão começando a perder mais e mais tempo com o problema. Apple e Samsung estão envolvidas em uma guerra judicial de patentes. Oracle e Google estão noutra. Na briga da Apple contra a taiwanesa HTC, há 20 patentes diferentes listadas. A Microsoft já recebe uma mesada baseada em patentes dos cinco principais fabricantes de celulares Android. (A Microsoft recebe mais dinheiro de royalties da venda de celulares com Android do que todo seu lucro com Windows Phone 7.)
Neste jogo, todos violam patentes de todos. E é por isso que grandes empresas estão indo às compras. Quanto maior o número de patentes em seu arsenal, maior seu poder de fogo. Se a Google processa a Apple num canto, alguma patente a Apple terá para processar a Google no outro. This American Life, um popular programa da rádio pública americana, se refere ao jogo das patentes como um que garante a destruição mútua. Exatamente como EUA e URSS na guerra fria. Os advogados estão assumindo o controle do Vale.
Leia mais sobre esse assunto em O Globo
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