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sexta-feira, 2 de março de 2012

Ameaçado de morte, agricultor não indenizado por Belo Monte está desaparecido

Ameaçado de morte, agricultor não indenizado por Belo Monte está desaparecido
Sem notícias do pai desde segunda, 27 de fevereiro, as duas filhas visitaram a terra de Sebastião para procurá-lo. Não o encontraram, mas viram toda sua plantação de cacau destruída pelos tratores 
O agricultor Sebastião Pereira, marido de Maria das Graças Militão, proprietária de dois lotes de terra que hoje pertencem à Norte Energia, localizados onde agora se constrói o canteiro de obras do Sítio Pimental da Usina Hidrelétrica Belo Monte, foi expropriado, não recebeu indenização, foi ameaçado de morte e está desaparecido desde segunda-feira, dia 27 de fevereiro. 
O agricultor em sua casa, dois dias antes de desaparecer
  
Quem se lembra do seu Sebastião? Publicamos, em 2011, uma reportagem sobre como a Norte Energia havia tomado sua terra à força, sem ter pago indenização. Este episódio é parte fundamental da história. 
Isso aconteceu em setembro passado. Sebastião ainda não recebeu o dinheiro que deveria ter sido pago pela empresa. 
Sebastião, 67 anos, está desaparecido. É agricultor. Cultivava cacau, açaí, abacaxi, castanhas. Suas plantações foram destruídas pelas máquinas que constroem a Usina Hidrelétrica Belo Monte. Havia uma sentença judicial, baseada em um Decreto de Utilidade Pública (DUP) emitido pelo governo federal, que permitia a empresa a expropriá-lo, destruir sua casa e espoliá-lo, sem que recebesse a indenização. 
Sebastião, no entanto, nunca saiu de sua terra. Tem uma personalidade forte e singular, e com ela construiu boa relação com os funcionários do consórcio – estes permitiam que ele transitasse por sua terra e utilizasse as estradas privatizadas dos canteiros, mesmo depois de ter sido expropriado. Conseguia todo tipo de carona – para ele e o escoamento da produção. Pura camaradagem e empatia. Enquanto isso, na cidade, sua esposa cuidava do processo judicial que reivindica a indenização e que pode levá-los a receber uma indenização menos injusta.
Estrada privativa por onde Sebastião acessava sua terra 

Na cidade, sua esposa recebe, no dia 22 de fevereiro, um ultimato: a Justiça lhes dava 72 horas para desabitar definitivamente a terra. Foi por este motivo que, na segunda-feira, 27 de fevereiro, as coisas mudaram. Sem dar muita atenção ao recado do Estado de Direito, Sebastião foi de Altamira para seu sítio para cuidar do cacau nascente e tirar castanhas. 
Contudo, os guardas do canteiro não permitiram que ele entrasse. 
Sebastião foi ameaçado de morte. 
Segundo relato de um funcionário da empresa à família de Sebastião, o agricultor teria dito aos guardas que ele entraria de qualquer jeito, e que enquanto não o pagassem, ele não deixaria a terra e continuaria trabalhando lá: “Vocês só derrubam o meu cacau se me matarem primeiro”. “Então é isso o que vai acontecer com você. Você vai morrer”, teria sido a resposta dos guardas. No impasse, Sebastião entrou pela mata, abrindo uma picada com o facão. Desde então, não foi mais visto.
Filha de 14 anos percorre cacaueiro cultivado pelo pai 

Sebastião tem quatro filhos. Para que pudessem estudar, todos os filhos se mudaram para a cidade de Altamira (para financiar essas vidas, Sebastião continuava no campo). O mais velho viveu sem eletricidade os primeiros 16 anos de sua vida – hoje tem 21. O pequeno tem cinco. As duas meninas, 14 e 16 anos de idade, estiveram na quinta-feira, 1, no sítio, a procura do pai. Não o encontraram. Andaram cerca de oito quilômetros, aos gritos. Mergulharam as pernas nos igapós, cruzaram mata fechada e estradas abertas para a barragem. A única coisa com a qual se depararam foi toda a plantação de cacau da família destruída. Só o cacau. Para que Sebastião não colhesse e para que não trabalhasse. Foi isso que elas viram, escorregando em tabatinga e ouvindo ronronar de tratores, caminhões e explosões das rochas.
Em silêncio, seguranças e encarregados ouvem aos questionamentos da filha de Sebastião
  
As meninas então caminharam até encontrar uma guarita, na propriedade de um grande fazendeiro que ladeava a da família, onde hoje se encontra uma extensa terraplanagem. Os seguranças pediam a elas que se retirassem. Elas disseram não. E perguntaram sobre o pai, Sebastião, analfabeto, agricultor. “Eu só sei fazer trabalhar”, dirá ele todo o tempo, em qualquer conversa. Eles não sabiam de Sebastião. “Derrubamos o cacaueiro ontem”. E as botaram em uma picape até a picada que levaria à beira do rio, onde pegariam um barco até o Porto Seis, em Altamira, de onde seguiriam de taxi até a casa alugada onde vivem com a mãe e os irmãos, de onde depois sairiam para ir à delegacia prestar queixas do desaparecimento e da ameaça de morte do pai e marido. 
As meninas choravam muito pisando o cacau caído, como gente grande. Em casa, o filhinho, 5, chorava muito como o menininho que era. A mãe vestia uma camisa do Sepultura, do filho mais velho, maquiagem borrada. E vão esperando Sebastião chegar. 
Mas Sebastião, que nasceu em Alagoas, que mudou para São Paulo e para o Paraná e enfim para o Pará, onde afinal plantou o cacau que o dava de comer e ensinou a filha a tocar guitarra, ainda não veio. 
Texto e fotos: Ruy Sposati
Fonte: XINGU Vivo

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