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sábado, 17 de março de 2012

AZIZ AB’SABER (1924-2012) A partida de um homem notável

A partida de um homem notável 
A ciência, no Brasil, terminou a semana mais pobre que começou e essa, lamentavelmente, não é uma alegoria ou força de expressão. Na manhã de sexta-feira (16/3), o geomorfólogo Aziz Nacib Ab’Saber, o “professor Aziz” como era carinhosamente chamado, morreu em sua casa, um abrigo confortável num bairro mais distante onde, em meio a generosa vegetação, viveu, recebeu pessoas, escreveu e abrigou uma infinidade de livros. 
Cientista notável, de cultura ampla − dessas que não se encontra com frequência −, generoso e emotivo como uma criança, ele não foi um acadêmico convencional. Nem um homem confortável, no sentido de satisfazer-se com o prestígio de que desfrutava já havia muito tempo. Em lugar disso foi um desassossegado, uma pessoa que teve olhos para o mundo e que enxergou na ciência uma forma de amenizar o que chamou de “infinito sofrimento humano”. 
Convivi com ele por longos anos, desfrutando do conhecimento, afeto e pequenos desabafos que aliviavam seu coração atormentado pelo que considerava injustiças, incompetências, desonestidades, covardias e um conjunto de comportamentos abjetos que, em especial nos últimos tempos, têm proliferado como erva daninha. 
O professor não se conformava com a postura do que chamava de “dinheiristas”, gente disposta a qualquer coisa por compensação financeira. Nem do que polida e genericamente se pode chamar de “má educação” – na verdade, comportamentos chulos, grosseiros e inconvenientes que caracterizam o comportamento, não de gente rude, que ele reconheceu e respeitou, mas de patifes de vários matizes, tipos que atacam na obscuridade para, em seguida, fugir apressada e inominadamente. 
O que significa dizer que os últimos tempos de sua vida não foram, ao menos sob esse aspecto, muito fáceis. 
Artesão do pensamento 
O professor Aziz entrou na Universidade de São Paulo com um contrato de jardineiro, o que, um dia, relatado por uma amiga comum, me trouxe espanto e incredulidade. Antes que eu recompusesse a vida dele para concluir, mais uma vez, que ele sempre foi um homem incomum. 
Notável a ponto de sofrer, academicamente, de dissabores e boicotes que só afetam as inteligências promissoras, as que incomodam pela criatividade, coragem, integridade e algo ainda mais raro que se pode chamar de “amor humano”.
Amor pelos desamparados, que a sorte por alguma razão, deixou de lado. Amor por desencontrados a quem ele procurou ajudar a encontrar rumos. Amor pelos rebeldes a quem ele reconheceu razões. Amor a desafortunados carentes de conhecimento, a quem ele ofereceu livros e estímulo na periferia da grande cidade, em muitos casos acompanhados de conselhos e recomendações em voz quase sussurrada. 
Por isso teve suas decepções. Como ocorreu a outro dos grandes cientistas brasileiros: como o físico Mario Schenberg (1914-1990), afastado do convívio de seus alunos durante o regime militar também por sua inteligência, generosidade e ousadia intelectual. 
O professor Aziz foi um artesão do pensamento complexo, estruturado nos clássicos, no conhecimento profundo e de campo na vasta área a que se dedicou, a partir da geomorfologia, e que fez dele um dos símbolos da Universidade de São Paulo de onde foi, desde que se aposentou, professor emérito.
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