Ativista, Teresa Urban soube dar sentido à vida
Jornalista que foi presa, torturada e exilada por combater a ditadura militar morreu quarta-feira, vítima de enfarte, aos 67 anos
“O segredo da existência humana reside não só em viver, mas em saber para que se vive”, disse Dostoievski certa vez. Como no axioma do escritor que a influenciou na juventude, a jornalista e ambientalista Teresa Urban soube desde cedo dar sentido à vida. Entregou-se a uma causa num momento crucial para o Brasil. Esteve na linha de frente no combate à ditadura militar, uma militância que resultou em prisão, tortura e exílio. Sobrevivente da ditadura, Teresa morreu quarta-feira, vítima de enfarte, aos 67 anos. O corpo foi cremado ontem em Campina Grande do Sul, na região de Curitiba.
Os passos de Teresa Urban contra uma vida de ilusões e impressões insubstanciais começaram cedo. A mãe, Janina, filha de poloneses, era mulher independente e um tanto avessa ao comunismo. O pai, Estanislau, um polonês muito tolerante, brindou os filhos com o hábito da leitura. A paixão com que a mãe se entregava às causas cristãs e à amplitude do mundo apresentada pelo pai por meio da leitura forjaram a personalidade de Teresa e de seus três irmãos. Todos, em alguma medida, viram-se engajados em alguma causa.
A menina era um bocado contestadora, apesar da idade. Isso tem alguma consequência quando se estuda em colégio de freiras. Leitora de Dostoievski, teve problemas no Colégio São José porque perguntava demais. Depois, prestes a terminar o Normal, deparou-se na escola com cartazes contendo imagens de Cristo com uma coroa feita de foice e martelo, símbolos do comunismo. Aquilo soava para ela como uma neurose coletiva. “A gente rezava todo dia para o comunismo não vir para o Brasil”, disse, em entrevista à Gazeta do Povo no ano passado.
A coisa ficou séria quando a luta anticomunismo deixou de ser doutrina colegial para virar política de Estado. O golpe militar de 1964 seria decisivo na vida de Teresa Urban. Os militares andavam alucinados à procura de subversivos em toda parte e o nome dela já estava na lista. Custaria caro sua posição política em defesa da democracia.
Durante o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Paraná, participou das manifestações estudantis. Acabou presa pela primeira vez em 3 de outubro de 1966, dia da eleição para o colégio eleitoral que poria o general Costa da Silva na Presidência do Brasil. A polícia cercou o quarteirão da casa dela, na frente da Praça 29 de Março. Levaram Janina acreditando tratar-se da filha. Corrigido o engano, a prisão durou um dia, mas rendeu uma longa crise familiar.
Impotência
A prisão de junho de 1970 foi mais longa. Um mês. Foi torturada no quartel da Praça Rui Barbosa, que não existe mais, ao ser interrogada pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, conhecido agente da repressão durante a ditadura militar. Anos mais tarde, ela diria em entrevista que a tortura tem um impacto que não é físico, e carrega em si um antagonismo: a impotência absoluta e a prepotência absoluta. Teresa aguentou calada os rigores da tortura, sem delatar ninguém.
Solta, mas perseguida, se exilou no Chile, entre 1970 e 1972, com o marido e o filho de colo, Gunter. Lá nasceu a segunda filha, Lupe. Condenada à revelia pela ditadura militar, no retorno ao Brasil foi presa e enviada à Penitenciária de Piraquara. Fez greve de fome, adoeceu e, um mês depois, a levaram para um convento no bairro Mercês. A transferência se deu graças à intervenção do arcebispo dom Pedro Fedalto. Quando acordou, Teresa se viu num quarto branco, com uma freira vicentina toda de branco ao seu lado. Ficou ali quase dois anos, em prisão especial.
O peso das restrições continuava. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) mantinha as torturas psicológicas com seguidas cartas em tom de ameaça. Quando saiu da cadeia, as organizações de esquerda tinham sido extintas, seus companheiros estavam na cadeia, mortos, desaparecidos ou no exílio. Olhava com desconfiança as estruturas partidárias, mesmo a do Partido dos Trabalhadores. Tomou a difícil resolução de não se envolver mais nas causas políticas. “Continuo sendo um ser político que ainda não achou seu lugar”, disse em uma de suas últimas entrevistas.
Fonte: Paraná On Line
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