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quarta-feira, 29 de maio de 2013

As árvores, a lei e as margens do progresso

As árvores, a lei e as margens do progresso
Por Carlos Gerbase
Juízes cumprem a lei, mas antes a interpretam. Fernando Carlos Tomasi Diniz, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, na tarde de terça-feira, 28 de maio de 2013, cumpriu a lei, ao permitir que a prefeitura cortasse várias árvores na avenida Edvaldo Pereira Paiva para alargar o seu leito e permitir a passagem de mais carros. Havia uma lei anterior, que reservava o espaço onde estavam as árvores para outra finalidade. O juiz Diniz, frente a duas leis conflitantes, decidiu por uma delas, e certamente optou pela lei que estava valendo (ou valendo mais) naquele momento. Outro juiz, quem sabe, poderia decidir diferente, mas agora as árvores já estão cortadas.
 Por conta da decisão do juiz Diniz, 21 homens e 6 mulheres foram detidos. Eles estavam tentando impedir que as árvores fossem cortadas, pois tinham uma interpretação diferente das leis. A interpretação que vale, obviamente, é a do juiz, que às 4h40min da madrugada estava dormindo confortavelmente em sua casa, enquanto 27 pessoas estavam em barracas que formavam um cinturão de segurança para as árvores. Como elas resistiram às motosserras e, segundo os policiais, desacataram as forças da ordem, foram presas. Estavam agindo contra a lei.
Michael Foucault ensina que, nesse tipo de embate, o poder (nesse caso, o juiz e a prefeitura, agindo juntos) sempre vencem. Não adianta espernear, escrever, protestar, xingar, desobedecer, desacatar. A lei, se permite algum tipo de interpretação entre os motivos da árvore e os motivos da motosserra, estará sempre do mesmo lado. O que fazer? Só tem jeito: mudar a lei.
Precisamos de um novo estatuto para o meio ambiente, que o torne prioridade para a saúde e para o bem-estar dos cidadãos, em vez de empecilho para um suposto progresso. Precisamos de uma emenda constitucional curta e grossa (e que todo mundo entenda) que faça das árvores, dos rios e do ar bens acima de interpretações parecidas com a do juiz Diniz.
“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem”, dizia Brecht.  As margens do progresso estão cada vez mais opressoras, e a tendência do rio é se tornar mais e mais violento. Ou a lei muda,  alargando as margens, ou a violência vai aumentar também.
O poder público sabe disso, tanto que foi cortar as árvores de madrugada. Não foi o juiz Diniz que determinou esse horário. A prefeitura e as forças da ordem não queriam confronto, muito menos violência. Tinham medo de quê? Daquelas 60 pessoas nas barracas? Duvido. Tinham medo que, à luz do dia, aquelas 60 se transformassem em 600, ou em 6 mil. E aí, meus amigos, o rio transbordaria, arrastando consigo a lei, a ordem e a as motosserras. O conflito da madrugada de 29 de maio de 2013 foi pequeno e curto. Menos de uma hora. Mas não pensem que ele acabou.
Meu respeito, minha admiração e minha solidariedade às 27 pessoas detidas. Fora da lei, elas cumpriram um papel histórico. Cabe à sociedade, como um todo, lutar por uma lei que as faça heróis, em vez de bandidos. Nietzsche alertou que os grandes momentos das nossas vidas são aqueles em que temos coragem para rebatizar nosso lado “mau” (no caso, as pessoas presas, algemadas, arrastadas para uma delegacia como criminosos) de nosso lado melhor. Está na hora. Temos que fazer isso democraticamente, respeitando o estado de direito. Mas rápido. Ou o rio vai transbordar.
Fonte: Prana Filmes

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