“Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”*
“Mais sábio que esse homem eu sou, é bem provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não saber, enquanto eu, se nada sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele exatamente em não supor que saiba o que não sei” – Platão ‘Defesa de Sócrates’
Estava Eu e Sócrates a conversar, poucos dias atrás junto a ‘ágora’ de nossa ‘polis’, quando discutíamos uma situação que ocorre no ápice da paciência provocada. Sócrates é sabedor, além da perda da paciência existem outros ônus, assumidos pelos que questionam os saberes que apenas parecem existir, mas que na verdade são ‘mithus’, palavras que não constroem algo.
Uma de suas prediletas maneiras de colocar por terra aqueles, que mesmo no alto de suas pompas e títulos pensam que sabem, é lhes mostrar que na verdade são ignorantes e nada sabem, onde humildemente também reconhece em si uma falta de saber que lhe move a perguntar mais e na resposta abrir um turbilhão de outros problemas para resolver.
Com isso, na cidade o ódio a ele é líquido e certo, mas também há os que assumem um reverencia e respeito pelos pensamentos e filosofias originadas neste homem que encontro para sanar minhas dúvidas e mostrar-me mais saber, para que Eu saiba ‘que nada sei ainda’.
No dia-a-dia de minhas jornadas, posso dizer que como Sócrates, colecionei inimigos que mesmo reconhecendo-os apenas como opositores do que penso, escrevo e faço, sei que eles me odeiam porque mesmo possuindo saberes catedráticos, pouco sabem do prático, do vivencial, do empírico que alimenta a curiosidade e a faz sua cátedra para seu deleite pessoal e intelectual e não para que os outros pensem ou conjecturem sobre suas ‘idéias’ ou sobre como é o ‘parto das idéias’.
Nunca vi Sócrates em seu Gabinete, contemplando o próprio umbigo e sempre que o encontro está na ‘ágora’. Vejo-o questionar os transeuntes, na ignorância que supõe ter e perguntar sobre aquilo que pensam os mesmos saber. Acabava provando que, do que pensavam nada na ‘verdade sabiam’. Seu saber, que não é livresco é vivo e em processo de se fazer. O conteúdo é a experiência cotidiana. Quando questiona o poder dogmático, não afirma ser ele um sábio.
O que ocorre é que desperta consciências adormecidas, não sendo ele um farol que possa iluminar as mentes nas trevas da ignorância, mas quem sabe um toco de vela que ao acender, faz com quem outras mentes possam se abrir e ver que há mais dúvidas do que respostas daqueles que nos falam com a certeza e dizem o que é ‘real’ e de que sabem do que falam.
Por estes motivos, foi o amigo Sócrates condenado como ‘subversivo’, quando ‘desnorteou’ e perturbou a ‘ordem’ do conhecer e do fazer. Sua condenação a morte, não tardou exatamente porque os líderes acharam que havia chegado o fim da paciência possível, estando ele agora subvertendo a mocidade e até ofendendo os ‘Deuses’. Numa cidade tão pequena como Atenas, um saber perturbador da ordem é incômoda e é expulsa da ‘polis’. As pessoas riem dos questionamentos e o consideram um ‘inútil’. Por vias das dúvidas e para não correrem riscos, os amordaçam, cortando o mal pela raiz.
Lembro que os ‘Estrategos’ de 64 (depois de Getulius), tiveram a iluminada idéia de retirar a ‘filosofia’ do ensino dos adolescentes, gerando uma sociedade que é manipulada por apenas saberes que lhes ensinam com vistas a um título e um emprego.
Não entendem nada da ‘polis’ e nem de que foram os Atenienses o povo que elaborou o ideal democrático, de que são dotados com os poderes de decidir e mudar os destinos das ‘polis’ de todo o Mediterrâneo, nosso mar e onde floresceu a cultura do debate nos espaços da ‘ágora’ para o discurso e o exercício da persuasão entre os ‘Demos’ e os ‘Kratias’.
A ‘demo-kratias’ é o pleno exercício do interesse do cidadão, pela qual os mesmos abandonam hábitos de passividade e do individualismo para serem mais participantes e conscientes do que é público, bem coletivo, essas ‘coisas públicas’ que alguns pensam até ser bicho-papão.
Alguns subestimam a própria inteligência ao assumirem um papel sofista que apenas repete ‘fórmulas e idéias’ que se mostram inviáveis e mesmo assim fazem delas suas bases, não tendo idéia do que é ‘ideal igualitário’ que preparou e construiu a democracia nos últimos milênios, abolindo o poder aristocrático das famílias e dando à ‘polis’ a autonomia das palavras.
Não mais dos mitos ditos e louvores aos deuses, mas sim a palavra humana da argumentação, que conflitou as afirmações, que gera a discussão na busca da solução que seja a melhor para o coletivo, deixando o saber de ser sagrado, passando ser objeto de debate.
Júlio Wandam
*Até quando, ó Catilina? Abusarás de nossa paciência – Discurso de Cícero contra Catilina
**Texto produzido com base em Filosofando – Introdução a Filosofia – Maria Machado Pires Martins
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