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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Lupicínio, a Praça de Tahrir e as pragas do Egito


Lupicínio, a Praça de Tahrir e as pragas do Egito
Esses moços,pobres moços
Ah!Se soubessem o que sei (...)
Saibam que deixam o céu por ser escuro
E vão ao inferno à procura de luz(*)

É sempre emocionante ver a multidão lutando por seus direitos na praça. É sempre emocionante e, mais ainda, ver a multidão na praça comemorando vitória após uma luta dura. Essa emoção toda que o povo da Praça Tahrir – Cairo, no Egito, nos proporcionou nos remete à outra: a emoção da quebra da privação da liberdade, das incomunicabilidades, da descrença.
Banheiros na Praça Tahir
Sobre a privação da liberdade, a julgar pelas histórias da Bíblia, a escravidão no Egito existe há muito tempo e está longe de acabar. Diz, no Êxodo, que Deus teria enviado 10 pragas ao Egito para forçar o Faraó a libertar os escravos: águas transformadas em sangue, rãs, piolhos, moscas, morte de animais, tumores, pedras, gafanhotos, escuridão e morte dos primogênitos. Não considerando que isso é texto bíblico, poderíamos transpor estas pragas para a situação de pobreza dos povos do mundo, sistematicamente assolados por todas elas. Agora, quando isso irá atacar os faraós de hoje, deuses do Capitalismo?
Lixos são separados em orgânicos e secos
Parece que de uma parte a natureza já está cuidando. As enchentes bárbaras transformando cidades inteiras em sangue, as pedras descendo dos morros, as doenças incuráveis que não escolhem classe social, mas que têm muito a ver com hábitos desenvolvidos no mundo industrializado, por quem pode pagar por eles, como alimentos geneticamente modificados, produtos químicos usados na produção de alimentos, industrialização desenfreada que provoca a destruição da camada de ozônio, dentre outros.
Clinica média na Praça Tahir
Há seca matando uns animais de sede e de fome e há o degelo matando outros pela mudança violenta de seu habitat. Assim, desta parte mais viva das pragas, a natureza tem-se encarregado de nos fustigar – nós – os escravos do Egito do Mundo.
As outras, opressão, fome, indústrias montadoras, agronegócio exportador, desemprego e desespero, quem está providenciando é o velho capitalismo, repaginado e turbinado, como capitalismo moderno, ou de mercado.
Ponto de acesso a água
O Egito é aqui. Vemos as mesmas posturas, as medidas de “desenvolvimento” sendo aplicadas. Martins, em seu texto, “Egito: a esfinge de estômago vazio”[2] comenta sobre as políticas do Egito e seus vizinhos. Diz que são “marcadas mais por uma nova estrutura econômica criada pela onda de globalização produtiva (indústrias montadoras e agronegócio exportador) das últimas décadas”.  São milhares trabalhando por centavos para gerar milhões para alguns. 
Área da imprensa e notícias
Essa postura lembra nossos estados, nossas cidades, pedindo, clamando por grandes empresas para gerarem grande número de empregos. A quem pensam que estão enganando? Sabemos que o lucro vai ficar na mão de poucos, que os resíduos poluentes serão divididos irmãmente e que a empresa permanecerá na região apenas enquanto se mantiverem as isenções fiscais. Vi isso acontecer em Erechim, pois a UERGS funcionava dentro do Distrito industrial naquela ocasião. Desemprego e desespero. Vemos isso acontecendo em muitos lugares.
Comércio de bandeiras na Praça
Das incomunicabilidades, todos sabem que tudo é um jogo, o capitalismo moderno apenas não contava com sua própria modernidade para implodir-se. Uma revolução urbana, gerada pela miséria de uma população, transformada em conflito político e queda de governo, articulada, iniciada pela internet, pelo twitter! Isso, nem os Estados Unidos previram.
Acampamento na Praça Tahir
Essa internet, o que tem de ruim, tem de bom na mesma proporção. Apesar de depositária de um número enorme de baixarias, violências e aberrações, permite um diálogo quase que global. Os abaixo-assinados virtuais, as amizades, os atos relâmpagos de resistência, informação e mais informação, o que antes era privilégio de poucos, agora está acessível para muitos. É como o buraco no muro, experiência original na Índia de inclusão digital[3]. Acabou a chamada “voz da cabaça”. Agora todos ouvem e são a voz.
Blogueiros em ação
Entretanto, os pobres moços da praça de Tahrir, parecem que vão ao inferno à procura de luz quando se lê que o primeiro–ministro do  Ahmed Shafiq afirmou neste domingo que a "maior preocupação" do governo provisório é restaurar a segurança no país e que a maior prioridade é "voltar à normalidade" – que normalidade?? A miséria? O que era normalidade antes dos 18 dias? E mais, quando se lê que ”os governantes militares egípcios decidiram dissolver o Parlamento e suspender a Constituição do país, atendendo aos pedidos dos manifestantes que ainda ocupam a Praça Tahrir!”[4]
Hall dos Martíres - morreram mais de 300
Sinceramente, tirar um governante como o ex-líder Hosni Mubarak, após 30 anos no poder, e comemorar a entrega do país ao Conselho Nacional das Forças Armadas, muito amigo dos EUA, já é uma temeridade, agora, pedir a suspensão de todo o tipo de lei e ficar sob o comando de uma aliança militar, penso que as 10 pragas do Egito devem estar na altura da oitava apenas até agora.  A Aliança já disse que comandará a nação durante seis meses, ou “até que possam ser realizadas eleições presidenciais e parlamentárias”. Ou seja, a probabilidade desta alegria, deste congraçamento virar em descrença é muito grande. “Ah! Se soubessem o que eu sei...” Ah, se soubessem o que a América Latina o que sabe sobre governos militares!
Jovens resistem deixar a Praça Tahir
Tomara que vença a esperança. Espero que cada povo se liberte, que tenha uma constituição que faça justiça às mulheres, às crianças, aos homens, aos animais, à natureza, todos com um lugar à mesa. Quero que cada povo tenha uma Constituição quase como a nossa, que ajudamos a construir em 1988, melhorada. Quero que nunca precise passar pelo que estamos passando, ao enfrentar interesses de latifundiários, disfarçados de agricultores familiares e homens políticos, tentando desconstituir uma lei como a do Código Florestal em nome do Capitalismo Moderno. Não existe modernidade no sofrimento.
Local aquecido na noite fria
Existe sofrimento. Muitos tipos de sofrimento, como as pragas que Deus mandou ao Faraó, com sangue, insetos, tumores, pedras, escuridão e morte dos primogênitos. Essa morte dos primogênitos simbolizando a morte daquele que come primeiro, do mais respeitado, do que teria de ser mais bem protegido. Trazendo para nossos tempos, a morte dos primogênitos é quase o que estamos vendo, é a morte da crença no futuro, escoltada por armamento pesado.

Profa. Me. Ana Carolina Martins da Silva 
Mestre em Comunicação Social 
Professora da UERGS

Lupicínio Rodrigues[*]

[1] http://www.youtube.com/watch?v=VtLFhsD8v9U
[2] MARTINS. José. Egito: a esfinge de estômago vazio. In CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA. NEP: São Paulo, 2011. EDIÇÃO nº 1049/50; ano 25
[3] O’CONNOR, Rory, O Buraco no muro. 2008. In < http://www.youtube.com/watch?v=Xx8vCy9eloE > acessado em 13/1/2011. 18h:23

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