Lupicínio, a Praça de Tahrir e as pragas do Egito
Esses moços,pobres moços
Ah!Se soubessem o que sei (...)
Saibam que deixam o céu por ser escuro
E vão ao inferno à procura de luz(*)
Ah!Se soubessem o que sei (...)
Saibam que deixam o céu por ser escuro
E vão ao inferno à procura de luz(*)
É sempre emocionante ver a multidão lutando por seus direitos na praça. É sempre emocionante e, mais ainda, ver a multidão na praça comemorando vitória após uma luta dura. Essa emoção toda que o povo da Praça Tahrir – Cairo, no Egito, nos proporcionou nos remete à outra: a emoção da quebra da privação da liberdade, das incomunicabilidades, da descrença.
Banheiros na Praça Tahir |
Sobre a privação da liberdade, a julgar pelas histórias da Bíblia, a escravidão no Egito existe há muito tempo e está longe de acabar. Diz, no Êxodo, que Deus teria enviado 10 pragas ao Egito para forçar o Faraó a libertar os escravos: águas transformadas em sangue, rãs, piolhos, moscas, morte de animais, tumores, pedras, gafanhotos, escuridão e morte dos primogênitos. Não considerando que isso é texto bíblico, poderíamos transpor estas pragas para a situação de pobreza dos povos do mundo, sistematicamente assolados por todas elas. Agora, quando isso irá atacar os faraós de hoje, deuses do Capitalismo?
Lixos são separados em orgânicos e secos |
Parece que de uma parte a natureza já está cuidando. As enchentes bárbaras transformando cidades inteiras em sangue, as pedras descendo dos morros, as doenças incuráveis que não escolhem classe social, mas que têm muito a ver com hábitos desenvolvidos no mundo industrializado, por quem pode pagar por eles, como alimentos geneticamente modificados, produtos químicos usados na produção de alimentos, industrialização desenfreada que provoca a destruição da camada de ozônio, dentre outros.
Clinica média na Praça Tahir |
Há seca matando uns animais de sede e de fome e há o degelo matando outros pela mudança violenta de seu habitat. Assim, desta parte mais viva das pragas, a natureza tem-se encarregado de nos fustigar – nós – os escravos do Egito do Mundo.
As outras, opressão, fome, indústrias montadoras, agronegócio exportador, desemprego e desespero, quem está providenciando é o velho capitalismo, repaginado e turbinado, como capitalismo moderno, ou de mercado.
Ponto de acesso a água |
O Egito é aqui. Vemos as mesmas posturas, as medidas de “desenvolvimento” sendo aplicadas. Martins, em seu texto, “Egito: a esfinge de estômago vazio”[2] comenta sobre as políticas do Egito e seus vizinhos. Diz que são “marcadas mais por uma nova estrutura econômica criada pela onda de globalização produtiva (indústrias montadoras e agronegócio exportador) das últimas décadas”. São milhares trabalhando por centavos para gerar milhões para alguns.
Área da imprensa e notícias |
Essa postura lembra nossos estados, nossas cidades, pedindo, clamando por grandes empresas para gerarem grande número de empregos. A quem pensam que estão enganando? Sabemos que o lucro vai ficar na mão de poucos, que os resíduos poluentes serão divididos irmãmente e que a empresa permanecerá na região apenas enquanto se mantiverem as isenções fiscais. Vi isso acontecer em Erechim, pois a UERGS funcionava dentro do Distrito industrial naquela ocasião. Desemprego e desespero. Vemos isso acontecendo em muitos lugares.
Comércio de bandeiras na Praça |
Das incomunicabilidades, todos sabem que tudo é um jogo, o capitalismo moderno apenas não contava com sua própria modernidade para implodir-se. Uma revolução urbana, gerada pela miséria de uma população, transformada em conflito político e queda de governo, articulada, iniciada pela internet, pelo twitter! Isso, nem os Estados Unidos previram.
Acampamento na Praça Tahir |
Essa internet, o que tem de ruim, tem de bom na mesma proporção. Apesar de depositária de um número enorme de baixarias, violências e aberrações, permite um diálogo quase que global. Os abaixo-assinados virtuais, as amizades, os atos relâmpagos de resistência, informação e mais informação, o que antes era privilégio de poucos, agora está acessível para muitos. É como o buraco no muro, experiência original na Índia de inclusão digital[3]. Acabou a chamada “voz da cabaça”. Agora todos ouvem e são a voz.
Blogueiros em ação |
Entretanto, os pobres moços da praça de Tahrir, parecem que vão ao inferno à procura de luz quando se lê que o primeiro–ministro do Ahmed Shafiq afirmou neste domingo que a "maior preocupação" do governo provisório é restaurar a segurança no país e que a maior prioridade é "voltar à normalidade" – que normalidade?? A miséria? O que era normalidade antes dos 18 dias? E mais, quando se lê que ”os governantes militares egípcios decidiram dissolver o Parlamento e suspender a Constituição do país, atendendo aos pedidos dos manifestantes que ainda ocupam a Praça Tahrir!”[4]
Hall dos Martíres - morreram mais de 300 |
Sinceramente, tirar um governante como o ex-líder Hosni Mubarak, após 30 anos no poder, e comemorar a entrega do país ao Conselho Nacional das Forças Armadas, muito amigo dos EUA, já é uma temeridade, agora, pedir a suspensão de todo o tipo de lei e ficar sob o comando de uma aliança militar, penso que as 10 pragas do Egito devem estar na altura da oitava apenas até agora. A Aliança já disse que comandará a nação durante seis meses, ou “até que possam ser realizadas eleições presidenciais e parlamentárias”. Ou seja, a probabilidade desta alegria, deste congraçamento virar em descrença é muito grande. “Ah! Se soubessem o que eu sei...” Ah, se soubessem o que a América Latina o que sabe sobre governos militares!
Jovens resistem deixar a Praça Tahir |
Tomara que vença a esperança. Espero que cada povo se liberte, que tenha uma constituição que faça justiça às mulheres, às crianças, aos homens, aos animais, à natureza, todos com um lugar à mesa. Quero que cada povo tenha uma Constituição quase como a nossa, que ajudamos a construir em 1988, melhorada. Quero que nunca precise passar pelo que estamos passando, ao enfrentar interesses de latifundiários, disfarçados de agricultores familiares e homens políticos, tentando desconstituir uma lei como a do Código Florestal em nome do Capitalismo Moderno. Não existe modernidade no sofrimento.
Local aquecido na noite fria |
Existe sofrimento. Muitos tipos de sofrimento, como as pragas que Deus mandou ao Faraó, com sangue, insetos, tumores, pedras, escuridão e morte dos primogênitos. Essa morte dos primogênitos simbolizando a morte daquele que come primeiro, do mais respeitado, do que teria de ser mais bem protegido. Trazendo para nossos tempos, a morte dos primogênitos é quase o que estamos vendo, é a morte da crença no futuro, escoltada por armamento pesado.
Profa. Me. Ana Carolina Martins da Silva
Mestre em Comunicação Social
[2] MARTINS. José. Egito: a esfinge de estômago vazio. In CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA. NEP: São Paulo, 2011. EDIÇÃO nº 1049/50; ano 25
[3] O’CONNOR, Rory, O Buraco no muro. 2008. In < http://www.youtube.com/watch?v=Xx8vCy9eloE > acessado em 13/1/2011. 18h:23
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