ARTIGOS
Multa na floresta
por Flávio Tavares*
Multa é sinal de advertência a nos dizer que erramos ou nos equivocamos, e que nada disso deve repetir-se. Adverte-se para reeducar. Um corretivo, seja a multa de trânsito, a do atraso ao pagar o condomínio ou a que se aplica nos grandes contratos, em garantia prévia. Dizer isso é óbvio, mas, às vezes, a obviedade é fundamental.
Um exemplo: o cidadão Lula da Silva foi multado pelo Superior Tribunal Eleitoral por usar o cargo de presidente para propaganda em favor de um dos candidatos a suceder-lhe, mas fez que nem era com ele. Não corrigiu a conduta, continuou a fazer o que a multa queria evitar e, numa bravata pública, ironizou com o tribunal e jurou ir adiante. Se fosse um delinquente, tudo bem. Se fosse uma pessoa comum, idem. Mas o chefe de Estado e de governo (desculpai-me pelo óbvio, de novo) deve ser exemplo de respeito às instituições.
Instituições?? O povo-povão nem sabe o que é isso! É fácil transformar as leis em “faz de conta”. Em 2006, por exemplo, o TSE multou o candidato à reeleição Lula da Silva “por propaganda antecipada” em R$ 900 mil, que jamais serão pagos. Manobras judiciais protelam os recursos ao infinito, não só os dele, mas de todos os “graúdos” – políticos, banqueiros, empresários.
O “faz de conta” chega às multas aplicadas pelo Banco Central, Ibama e agências reguladoras às grandes empresas (como as de telefonia) por descumprirem a lei ou por falhas de serviço. Tão só 3,7% dessas multas são pagas, e sempre as menores, segundo revela o Tribunal de Contas da União.
Para que mais argumentos sobre o “faz de conta” num país de bonecos?
O grande simulacro atual, porém, é o projeto de novo Código Florestal, que o deputado comunista Aldo Rebelo redigiu como relator duma comissão especial da Câmara Federal. Todos os absurdos ali estão, como se vivêssemos à época predatória das Capitanias Hereditárias que transformaram em deserto a mata original do Nordeste.
Por definição, um código florestal deve proteger a natureza. Já em 1932 (quando não conhecíamos os conceitos de “ecologia” e “meio ambiente”), o ministro da Agricultura, J.F. Assis Brasil, sabia disso ao esboçar o Código que se fez lei dois anos depois e vigora até hoje. Nosso Assis Brasil era, porém, um visionário, inqualificavelmente lúcido, sempre à frente do seu tempo.
Agora, a própria Câmara dos Deputados propõe retroceder. Conheço o deputado do PC do B paulista e aplaudi sua correção quando foi ministro de Lula da Silva, mas suas propostas de agora, em nome da Câmara, são o oposto de quem se diz identificado com as “grandes causas”.
Facilitar que rios e várzeas se degradem, ou que se desmatem encostas e topos de morros não será uma ação nefasta contra a natureza e a vida?
O projeto de Rebelo mata rios e arroios ao reduzir de 30 metros para apenas 7,5 metros as áreas de mata ciliar (junto às margens), que evitam erosão. Cai a proteção às várzeas, fundamentais na biodiversidade da vida de flora e fauna. Cai a obrigação de manter vegetação nativa em pelo menos 20% da propriedade rural: não haverá mais reserva nativa. Na Amazônia, a obrigação de preservar 80% da mata pode reduzir-se a apenas 20%. A recuperação das reservas desmatadas não mais se fará com espécies nativas, como hoje: as árvores exóticas (tipo eucalipto) terão campo livre.
Limito-me a esses absurdos por falta de espaço, não de evidências. Só não consta do projeto (ainda) multar a floresta por existir como tal.
*Jornalista e escritor
Publicado em Zero Hora - domingo 13 junho 2010
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