A ira dos ambientalistas
Cerca de 100 mil espécies podem entrar em processo de extinção
Por Isaac Lira
A aparente contradição entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental ganhou nas últimas semanas um de seus capítulos mais furiosos, capaz de engajar empresários e ambientalistas.
O Código Florestal brasileiro, lei que data de 1967 e rege a ocupação da terra e uso da vegetação, está prestes a sofrer uma ampla reforma. Após ser aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados e pelo relator deputado Aldo Rebelo (PC do B), o texto a ser votado pelo legislativo atraiu a ira de cientistas, ambientalistas e até mesmo do Ibama. Eles acusam o novo código de afrouxar as leis contra o desmatamento.
Entre os principais pontos questionados pelos ambientalistas está a inexistência de reserva legal nas chamadas pequenas propriedades. Reserva legal é uma porção de cada propriedade rural, onde não é permitido o desmatamento. Dependendo da região, essa Reserva tem valores diferentes, sendo de 80% na Amazônia e 20% na caatinga, por exemplo. O que o texto a ser apreciado pelo Congresso preconiza é a inexistência de Reserva Legal em minifúndios e pequenas propriedades, cujo tamanho oficial varia de região para região. Para o deputado Aldo Rebelo (PC do B), essa medida irá tirar da ilegalidade os pequenos agricultores.
De acordo com dados do Incra, 92,7% das propriedades rurais cadastradas no Rio Grande do Norte se encaixam no perfil onde a Reserva Legal será "extinta". Contudo, isso não significa que a maior parte das terras do Estado esteja dentro dessa porcentagem. Como se sabe, os latifúndios ocupam a maior parte da terra no Brasil. Em solo potiguar, não é diferente. Segundo o IBGE, os 71 mil empreendimentos agrícolas familiares ocupam pouco mais de um milhão de hectares, enquanto os 11 mil empreendimentos não- familiares ocupam o dobro: 2,1 milhão de hectares. Além disso, a maior parte das áreas de Reserva Legal está nas mãos de proprietários com mais de quatro módulos fiscais nas mãos: 135 mil hectares de um total de 184 mil.
Mesmo assim, os movimentos sociais não concordam com a mudança. O vice-presidente da Sociedade Nordestina de Ecologia, Carlos André Cavalcanti, argumenta: "Todos sabemos que os grandes latifundiários já dividem a sua terra em pequenas áreas registradas em nomes diferentes. Além do mais, quatro módulos fiscais podem ser uma grande faixa de território na Amazônia, por exemplo. Lá, quatro módulos fiscais significam mais de 100 hectares, enquanto no Nordeste mal chega a 50, na maioria dos casos. São hectares e mais hectares com permissão para o desmatamento total", relata.
Além disso, os ambientalistas são contrários à possibilidade de reflorestar com espécies não-nativas. Até agora, os grandes produtores que tenham desmatado além do permitido precisam reflorestar com as mesmas espécies antes encontradas. "O novo texto dá margem para o plantio de monoculturas não-nativas para reflorestamento o que é um absurdo. A intenção é ampliar as possibilidades de desmatamento e desonerar os grandes produtores que não respeitam as leis ambientais", afirma Carlos André Cavalcanti.
Anistia e diminuição de limites
Outros dois pontos amplamente criticados por ambientalistas e cientistas são a anistia das multas aplicadas pelo Ibama até 22 de julho de 2008 e a diminuição dos limites de áreas de preservação permanente, como as margens de rios, quando não a total extinção de áreas antes preservadas, no caso os topos de encostas e várzeas. Esses dois pontos foram elencados como evidências da cooperação com latifundiários.
A anistia, de acordo com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, pode chegar a R$ 10 bilhões. Em outras palavras, o Estado abre mão do dinheiro da multa e perdoa os desmatadores. O próprio Ibama reconheceu recentemente que apenas 0,2% das multas foram pagas nos últimos anos. "O relatório premia os fraudadores e pune aqueles que respeitam a legislação. Além disso, sempre haverá a expectativa de novos perdões, o que vai incentivar ainda mais o desmatamento", opina Carlos André Cavalcanti. A mesma opinião tem o superintendente do Ibama, Alvamar Queiroz. "Somos totalmente contra esse perdão porque no fundo incentiva mais desmatamento".
Quando à diminuição das chamadas APPs (áreas de preservação permanente), a proposta é de diminuir a parte preservada das margens de rio. O que atualmente é 50 metros, deve diminuir para 15 metros. "A expectativa é que cerca de 100 mil espécies possam entrar em processo de extinção com essa medida totalmente descabida", diz Carlos Cavalcanti. Alvamar Queiroz acredita que "corredores verdes" deveriam ser incentivados com a manutenção das reservas legais e a ampliação das APPs. "Algumas espécies precisam desse espaço para se desenvolver normalmente", concorda.
Um dos últimos pontos polêmicos diz respeito ao perdão para ocupações em área de preservação permanente com tempo superior a 10 anos. Em Natal, existem exemplos famosos. Todos os hotéis da Via Costeira se encaixam no perfil. Em outros casos, fazendas de carcinicultura localizados às margens de mangues também serão anistiados. "Nesses casos, não dá para simplesmente demolir os empreendimentos, mas compensações ambientais podem ser feitas", opina Alvamar.
Mudanças
A discussão atinge níveis mais elevados de polêmica quando se pensa nos compromissos assumidos pelo Brasil no último COP 15. O Governo se comprometeu em diminuir o desmatamento da Amazônia em 80% e 39% da emissão de carbono até 2020. Para os ambientalistas, será impossível atingir a essas metas caso as novas mudanças sejam aprovadas.
"O Governo brasileiro assume um compromisso desse porte e o poder Legislativo se comporta de forma totalmente distinta. Não faz sentido. Dessa forma, continuaremos a ser um dos maiores poluidores", reclama Carlos André Cavalcanti. O vice-presidente da Sociedade Nordestina de Ecologia acredita no poder da mobilização. "Faremos abaixo-assinados e iremos protestar para impedir a aprovação da proposta", diz. A votação será na Câmara dos Deputados e no Senado Federal provavelmente após as eleições.
"O Governo brasileiro assume um compromisso desse porte e o poder Legislativo se comporta de forma totalmente distinta. Não faz sentido. Dessa forma, continuaremos a ser um dos maiores poluidores", reclama Carlos André Cavalcanti. O vice-presidente da Sociedade Nordestina de Ecologia acredita no poder da mobilização. "Faremos abaixo-assinados e iremos protestar para impedir a aprovação da proposta", diz. A votação será na Câmara dos Deputados e no Senado Federal provavelmente após as eleições.
Fonte: Tribuna do Norte - RN
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