Gigolôs de infrator
Por Roberto Smeraldi
O texto do Código Florestal aprovado em comissão da Câmara promove o que de pior se pode fazer com a lei: premiar o descumprimento
Surpreendentemente, não é o Código Florestal que sai mais ameaçado pelo relatório aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, criada por iniciativa de deputados ruralistas. As principais ameaças são para o Estado de Direito e para a competitividade da agropecuária.
Após o alarde sobre as mazelas do Código, os parlamentares acabaram aprovando um texto que enfraquece um de seus pilares -a proteção de cursos d'água e solos vulneráveis-, mas não afeta de forma expressiva o arcabouço legal.
Após o alarde sobre as mazelas do Código, os parlamentares acabaram aprovando um texto que enfraquece um de seus pilares -a proteção de cursos d'água e solos vulneráveis-, mas não afeta de forma expressiva o arcabouço legal.
Claro, é paradoxal num país que contabiliza centenas de mortos e bilhões de prejuízo com aluviões, enchentes e deslizamentos. Mas não é o ponto principal.
O texto promove o que de pior se pode fazer com a lei: premiar o descumprimento.
Propõe anistia de abrangência jamais concebida: não apenas perdão de todas atividades ilegais até 2008 -legitimando assim a expectativa de que isso se repita indefinidamente- mas também dispensa da recuperação dos ativos ilegalmente destruídos em imóveis até quatro módulos, ou seja, em qualquer lugar, pois um imóvel pode ser desdobrado pelo mesmo dono.
Propõe anistia de abrangência jamais concebida: não apenas perdão de todas atividades ilegais até 2008 -legitimando assim a expectativa de que isso se repita indefinidamente- mas também dispensa da recuperação dos ativos ilegalmente destruídos em imóveis até quatro módulos, ou seja, em qualquer lugar, pois um imóvel pode ser desdobrado pelo mesmo dono.
A proposta é uma afronta para os produtores rurais que trabalham dentro da lei. Há uns dias, o presidente da empresa brasileira líder mundial em celulose me questionou: "Por que nós respeitamos a reserva legal, faturamos R$ 28 bilhões por ano e distribuímos dividendos, enquanto outros seguem impunemente desmatando e até geram pouco emprego?".
A ironia é que, enquanto isso, nem sequer se realizam as atualizações do Código que seriam razoáveis, após meio século de vigência.
Exemplo mais usado no discurso ruralista é o da injustiça com culturas que utilizam parcialmente encostas, como videira, maçã e café. Se adotados cuidados como cobertura do solo, curvas de nível, banquetas etc., elas não contribuem para degradação. Mais ainda: podem até representar, no conjunto, uma oportunidade de valorização do ambiente, por formar arranjos produtivos articulados com turismo, águas minerais e outros serviços.
Exemplo mais usado no discurso ruralista é o da injustiça com culturas que utilizam parcialmente encostas, como videira, maçã e café. Se adotados cuidados como cobertura do solo, curvas de nível, banquetas etc., elas não contribuem para degradação. Mais ainda: podem até representar, no conjunto, uma oportunidade de valorização do ambiente, por formar arranjos produtivos articulados com turismo, águas minerais e outros serviços.
Seria bem a hora de adaptar a lei às peculiaridades da multiplicação e da complexidade dos territórios.
Mas na proposta da comissão não entrou nada que esteja baseado em diversidade, critério técnico, desempenho ou incentivo para melhores práticas.
Restrições ao desmatamento e à grilagem da terra são os principais vetores para investir na revolução tecnológica de produtividade que é necessária para atingir mais lucratividade e competitividade no segmento da produção primária.
Algumas cadeias já fazem isso com sucesso. Na pecuária, que ocupa 80% de nossa área cultivada, o desafio é especialmente urgente. A proposta aprovada na comissão desconsidera esse aspecto crucial e que se aplica, com devidas diferenças, tanto para agricultura familiar quanto para a grande fazenda. Assim, desestimula o investimento em produtividade, que poderia se beneficiar de nossa capacidade avançada de pesquisa.
Enquanto buscam anistias em Brasília, os que se erguem a defensores da agricultura sabotam abertamente, em seus Estados, os programas de regularização que sanariam os passivos florestais sem precisar desmoralizar a lei.
Inovação, produtividade e tecnologia no campo requerem investimento, incentivo, competição leal e liderança. E até melhora no Código Florestal. É debate difícil de se fazer no grito, sem ouvir a ciência, entre ruidosos gigolôs de infrator buscando votos.
ROBERTO SMERALDI, 50, jornalista, é diretor da OSCIP Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor do "Novo Manual de Negócios Sustentáveis"
Fonte: Publifolha
Inovação, produtividade e tecnologia no campo requerem investimento, incentivo, competição leal e liderança. E até melhora no Código Florestal. É debate difícil de se fazer no grito, sem ouvir a ciência, entre ruidosos gigolôs de infrator buscando votos.
ROBERTO SMERALDI, 50, jornalista, é diretor da OSCIP Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor do "Novo Manual de Negócios Sustentáveis"
Fonte: Publifolha
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