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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Conquistar e manter - artigo de Montserrat Martins

 Conquistar e manter
artigo de Montserrat Martins
Você já passou, ou conhece alguém que passou por essa experiência. Algumas pessoas conseguem manter o peso reduzido, conquistado com grandes esforços de um período de regime rigoroso, mas muitas não conseguem e todo o esforço para atingir a meta acaba sendo desperdiçado. Daí temos a noção clara, evidente, de que é muito mais difícil manter do que conquistar.
Mal comparando, é esse o dilema do combate ao crime, seja nos morros do Rio, seja em qualquer região de periferia urbana do país. Os esforços das ações unificadas – operacionais e de inteligência – entre as polícias militar e civil, federal, exército, marinha e aeronáutica, estão sendo recompensadas com a tomada de territórios (que estavam há décadas em poder do crime organizado) e com o reconhecimento da população. Ao contrário do que muitos pensam, não se trata de meros “traficantes”, pois a questão central não era mais o dinheiro das drogas e sim o controle do território pelo poder das armas, realidade bem retratada no filme Tropa de Elite 2.
O dilema agora é manter os territórios fora da influência dos “poderes paralelos” dessas regiões, que já estavam enraizados em suas culturas e não só pela violência, mas também pela sedução e envolvimento da população em atividades periféricas ao crime, uma espécie de “circulação financeira paralela” nessas áreas. Quem acredita que a legalização das drogas, por exemplo, resolveria tudo, consegue imaginar criminosos armados pagando impostos ? Falando sério, mudar a tipificação penal mudaria apenas o tipo de crimes que eles estão dispostos a praticar, ou seja, o perfil de suas ações dentre uma ampla gama de atividades, mostradas no filme também.
Depois da etapa de conquista do território físico (a fase policial ou militar), o sucesso da operação depende de se manter essa conquista a longo prazo através de ações sociais eficazes, que mostrem que estamos preparados para oferecer alternativas de inclusão social para camadas da população cronicamente negligenciadas pelo Estado.
Precisamos ser sinceros e admitir, antes de tudo, que não foi de uma hora para outra que perdemos esses territórios para o “tráfico”, nome genérico com o que designamos essas gangues armadas. Pode ser didático o exemplo da luta de muitos indivíduos com a balança, sim, porque todos sabemos que o sobrepeso decorre de maus hábitos crônicos, de descaso com o que seria o mais saudável.
Para mudar de verdade, temos de enfrentar nossa própria cultura de décadas de negligência com amplas camadas da população, o que é uma tarefa mais ampla, inclusive, do que o papel do próprio Estado. É uma tarefa que tem de envolver a sociedade como um todo, pois a mudança de hábitos requer também uma revisão dos valores sociais que tivemos até agora.
Por Montserrat Martins
Colunista do EcoDebate - Psiquiatra

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