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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Descoberta do vírus da aids completa 30 anos

Descoberta do vírus da aids completa 30 anos
Divulgação de um estudo nos Estados Unidos sobre uma 'estranha forma de pneumonia' marca primeiro reconhecimento de um governo de que existia uma nova e rara doença
WASHINGTON - Trinta anos depois de os cientistas dos Estados Unidos terem identificado uma "nova forma de pneumonia", mais de um milhão de pessoas vivem hoje com a síndrome de imunodeficiência adquirida (aids) no país, e um quinto delas não sabem que são portadoras do vírus.
 A divulgação de um estudo sobre "cinco homens jovens de Nova York e Califórnia, todos eles homossexuais ativos" marcou, no dia 5 de junho de 1981, o primeiro reconhecimento de um governo de que existia uma nova e rara doença. 
Três décadas depois, a aids deixou de ser uma sentença de morte e passou a ser um mal controlável, mas apresenta ainda grandes desafios quanto a sua prevenção e ao financiamento dos tratamentos, que prometem mantê-la como uma das grandes prioridades médicas do século XXI. 
Os primeiros cinco casos documentados no relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA descrevem homens de 20 a 30 anos diagnosticados com tipos de pneumonia e de câncer de sarcoma de Kaposi que até então só afetavam pessoas com sistema imunológico muito debilitado. Tudo era uma incógnita para os cientistas, que avaliavam os casos e tentavam impedir as mortes sem conhecer a origem do vírus, como ele era transmitido e quais eram os grupos de risco. 
Durante meses, muitos cientistas acreditavam que apenas os homossexuais podiam contrair a doença, o que deu origem ao seu primeiro nome: Desordem Imunológica Relacionada com o Homossexualismo (Grid, sigla em inglês). Essa tese foi descartada em dezembro de 1981, quando foram confirmados os primeiros casos em viciados em drogas injetáveis, e pouco depois em heterossexuais. 
Porém, as formas de contágio ainda eram desconhecidas, o que levava ao completo isolamento dos pacientes e ao temor de que o vírus poderia ser contraído apenas com o toque em objetos dos portadores. 
O acrônimo aids surgiu em um congresso médico em Washington em julho de 1982, após o consenso entre os cientistas de que se tratava de um mal adquirido, e não hereditário, que provoca deficiência no sistema imunológico e era uma síndrome com múltiplas manifestações, não uma doença única. 
Depois de dois anos, o Vírus de Imunodeficiência Humana (HIV) foi identificado como causa clara da aids, e foi calculado um período de latência de dez anos desde o momento da infecção. Com essa descoberta, conclui-se que o vírus foi transmitido durante anos por portadores que ignoravam sua condição, o que ampliava o espectro de infecção potencial para milhões de pessoas no mundo todo. 
O pânico começou a ser controlado quando foram distinguidas quatro vias claras de transmissão: o contato sexual, a transmissão hereditária de mães para filhos, as transfusões de sangue e as agulhas contaminadas. No entanto, a falta de sintomas evidentes que pudessem delatar a doença continua alimentando o nervosismo dos americanos, que chegaram a manter seus filhos fora do colégio e evitar lugares públicos para evitar o contágio. 
A aparição de famosos que reconheceram ser soropositivos, como o ator Rock Hudson em 1985 e o jogador de basquete Magic Johnson em 1991, ajudou a pôr uma cara na doença e a impulsionar uma campanha de conscientização pública que ainda sustentava muitas dúvidas sobre a prevenção. 
No entanto, a ênfase nos exames médicos regulares e no uso de preservativos não conseguiu impedir a falta de conhecimento sobre o vírus entre a população, e o HIV afeta mais de 56 mil pessoas por ano nos EUA. 
Um vírus, dois pais e uma polêmica 
Até 1983 não se conhecia o vírus que provocava a doença, uma descoberta marcada pela polêmica entre dois cientistas que disputavam sua paternidade, o francês Luc Montagnier e o americano Robert Gallo. Durante 10 anos, os dois pesquisadores, apoiados na máquina estatal de propaganda de seus dois países, reivindicaram a descoberta do vírus da imunodeficiência humana (HIV), até 1994, quando o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos acabou por dar a razão ao cientista francês. 
Montagnier esperou ainda outros 14 anos para que seu trabalho fosse reconhecido com o Prêmio Nobel de Medicina, compartilhado com sua colaboradora Françoise Barré-Sinoussi e com o médico alemão Harald zur Hausen, especialista em câncer. 
Enquanto isso, a descoberta do HIV esteve no centro de uma amarga polêmica, turvando notícias que ajudariam a detectar o mal e encontrar possíveis remédios. Tudo começou com os casos de uma "estranha pneumonia detectados nos EUA, no início dos anos 80. As autoridades americanas criaram um equipamento para analisá-la e convocaram o professor Gallo para chefiar as pesquisas. 
Em 1982, os primeiros casos foram registrados na França, e o Instituto Pasteur encarregou a equipe do professor Montagnier de investigar as causas. Em dois meses, os franceses conseguiram isolar um vírus que podia ser o causador da doença. 
O feito foi publicado no dia 20 de maio de 1983 na revista Science, sem que a comunidade científica lhe desse muita atenção. Incapaz de cultivar o vírus, Montagnier enviou uma amostra ao equipamento de Gallo. 
No dia 23 de abril de 1984, os americanos anunciaram em entrevista coletiva o descobrimento do vírus da Aids, sem mencionar em nenhum momento o papel da equipe de Montagnier, o que foi recebido como uma afronta no outro lado do Atlântico. 
A França de François Mitterrand suspeitava da eficiência do equipamento dos EUA de Ronald Reagan para conseguir um avanço científico de grande repercussão. A polêmica abandonou os laboratórios e foi para a arena da opinião pública e da rivalidade entre nações. 
No meio da tempestade, além do orgulho nacional, estavam em jogo grandes somas de dinheiro, uma vez que a patente do vírus outorgava direitos sobre as vendas dos métodos de detecção da Aids, um mercado em crescimento exponencial. 
As denúncias se sucederam nos EUA, onde as autoridades validaram a patente de Gallo, mas não a de Montagnier. As pesquisas acabaram por demonstrar que a amostra que permitiu aos americanos sequenciar o vírus procedia do mesmo material hereditário utilizado pelos franceses. Acusado de roubo, Gallo se defendeu e alegou que o vírus enviado pelos franceses pode ter contaminado suas amostras. A explicação satisfez os franceses, e em 1987 foi assinado um acordo para compartilhar os benefícios da patente nos EUA, enquanto os do resto do mundo permaneciam nas mãos do Instituto Pasteur. 
Porém, dois anos mais tarde, um artigo publicado no jornal "Chicago Tribune" reacendeu a polêmica ao declarar que os pesquisadores americanos roubaram o vírus dos franceses e o utilizaram às escondidas. Gallo se viu obrigado a reconhecer que as amostras francesas foram importantes em sua pesquisa, mas sempre negou o roubo. 
Em 1994, sob a Presidência de Bill Clinton, as autoridades sanitárias dos EUA reconheceram a equipe do professor Montagnier como a autora da descoberta do vírus da Aids.
Fonte: Estadão

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